quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Segue um de meus contos. Espero que gostem.


No trem
Eram cinco e meia da tarde no centro de São Paulo. A estação do metrô estava como sempre esteve, lotada. As pessoas respiravam o ar subterrâneo na fila para passar a catraca. Fila enorme, daquelas de banco em dia de pagamento. Ela entra, neste exato momento, na dita fila. Tira um lenço da bolsa e, ao abri-la, sente o cheiro da marmita usada,não-lavada e tampada. Ela fecha a bolsa e passa o lenço na testa, limpando o suor. Vira-se e percebe que já não é mais a última da fila. Ao contrário, falta pouco para chegar à catraca. Ela sabe que aquela é, como sempre foi, a primeira fila de volta para a casa. Haveria, como sempre houve, uma fila pequena até a escada rolante, outra média e compacta para entrar no trem lotado e uma última e pequena para pegar o ônibus.,depois do trem, para finalmente chegar até sua casa. Por isso ela não queria ficar ansiosa logo na primeira fila, afinal, ela já a finalizou: a catraca foi ultrapassada. Ela foi levemente empurrada por outras pessoas que estavam atrás dela pois todos ali naquele corredor de concreto e com chão esborrachado de preto gostariam de pegar a escada rolante. Chegou ela, então, correndo um pouquinho, na fila móvel da escada rolante. Os grandes ventiladores que certamente estavam lá encima no chão faziam o vento balançar os cabelos das mulheres. O cabelo dela não balançava porque era consideravelmente duro. O vento artificial afastava, de certa forma, o calor do dia de verão. Neste momento a segunda fila fora vencida e ela estava agora na plataforma: correu para acercar-se da terceira fila compacta e importantíssima: a fila que a levaria para o trem. Assim fez e, não mais no final da fila, ela e todas aquelas pessoas esperavam o trem. Aquela estação era terminal e muito provavelmente ela conseguiria um acento dentro do trem pois estava em um lugar favorável da fila. O trem chegou lerdamente. Parou e as portas se abriram e as pessoas, semelhantes a porcos famintos que invadem o chiqueiro cheio de lavagem, entraram no trem. Cada um caçando um caçando um lugar para sentar naquele trem que teria uma viagem de aproximadamente cinqüenta segundos. Ela tentara um lugar ao lado da janela, porém, um homem alto e moreno a ultrapassou. Desesperou-se buscando outro melhor mas o único que encontrou foi um perto da porta, de frente para outros assentos. Sentou-se. Embora o banco não fosse aquele dos seus sonhos, ela não viajaria em pé como muitas pessoas agora estavam apoiadas naqueles grandes cilindros de ferro. Esperavam todos agora o trem partir da estação levando aquelas pessoas do centro da cidade para os subúrbios. A voz dos auto-falantes, agora eletrônica, disse secamente: “Senhores usuários, boa tarde, este trem tem como destino a estação Calmon Viana. O tempo estimado de viajem é de 65 minutos. Desejamos a todos uma boa viajem.” Os sons ambulatórios das companhias tocaram e as portas fecharam, espremendo as pessoas de pé. O primeiro arranco dera-se e o trem estava em movimento.
Agora sim, pensou ela, ler era possível. Ela tirou da bolsa cheirando à marmita um livrinho fino que não deveria ter nem 150 páginas. Ela o pegara emprestado na biblioteca de seu bairro. Não gostava de livros pequenos, referia os de quatrocentas, quinhentas páginas: eles duravam mais, viviam mais tempo com ela. O problema é que ela não podia, nas atuais conjecturas, ler um livro grande. Muitas eram suas tarefas diárias: acordar cedo, trabalhar no estágio de mecânica, ir à tarde para o curso de mecânica, comer a marmita feita pelo pai, sujar e limpar as mãos no óleo para o aço e o ferro, pegar o trem e caçar um lugar para sentar. O tempo para ler, para o mais importante, era pouco. Antes de pegar o livro ela cheirou as mãos para ver se o cheiro do óleo tinham completamente desaparecido. Ela lavara muito as mãos no banheiro do curso antes de ir para a estação. Mas não. É impossível que a presença dele se vá completamente. É como a cebola na vida de quem cozinha ou, talvez, o cheiro de tinta de caneta de quem escreve livros. Engraçado... Será que o cara que escreveu aquele livro fininho sabia que ela, uma adolescente, o estava lendo dentro de um trem lotado?Ele deveria sentir, aquele livro era criatura dele. Assim como seu carrinho de aço no curso de mecânica era criação dela. Mas ela também não sabe se sentiria tocarem no aço do carrinho não terminado se tocassem nele. Aquele carrinho não deveria interessar a mais ninguém: estava com algumas medidas erradas, alguns problemas de encaixe entre as peças. De fato, ela não tinha muito manejo com o torno mecânico. Seu professor já dissera isso. Ela já dissera isso, tristemente, a seu pai. Ele rebatia:
-Que nada! É sua falta de atenção! Fica ai, lendo estes livros inúteis!Para que? Não são livros de mecânica nem de matemática!
-Mas eu gosto deles, pai. E eu não fico lendo na hora do curso. Eu sei dividir o tempo... É difícil tornear.
-Treine mais, seja mais esperta. E tenha mais vontade! Tudo se consegue quando se tem vontade!
Mas será que era possível ter a vontade? Criar a vontade tão simplesmente como o escritor escrevera aquele livro fininho? Não era algo como a raiva ou a atração sexual que explodiam em algum lugar que desconhecemos que vem e nos domina, manipulando a gente para as coisas que essas sensações queriam? Talvez o pai dela fosse forte. Depois que a mãe dela o abandonou ele tomou conta do lar. Trabalhava muito dentro e fora de casa para sustentá-la. Ele certamente criou a vontade para acordar todos os dias às seis da manhã para trabalhar como pedreiro. Certamente ele criou a vontade de combinar o tijolo com o cimento, de afundar a mão da areia e na cal, de sentir o forte sol sob suas costas. Qual seria seu segredo? Ela não tinha muita vontade de mexer no torno não. Tinha vontade de ler o livro, embora fino, da biblioteca. E tudo o que queremos, de acordo com as idéias do pai, conseguimos fazer.
O trem já estava na metade do caminho. De agora em diante, as pessoas em pé ficavam atentas. O livrinho de fato era muito pequeno. Cento e trinta páginas. Uma pena. A manhã era sábado e ela com certeza leria o livro todo. Ficaria, provavelmente, o domingo sem ler outro livro porque a biblioteca estava fechada e então seria necessário esperar a segunda-feira. O que ela iria fazer no domingo? Visitar a avó? O tio? Os primos? Mas isto ela fazia em todos os domingos. Comprar algum livro no shopping? Não. O dia cinco estava longe. Estudar matemática? É, a provável solução. Matemática até que era legal, com todos os seus números e sinais e contas. Uma boa dose de funções quadráticas e o domingo estaria terminado. Viria a segunda-feira e o novo empréstimo seria feito! Ótimo! Fim de semana resolvido!
Mas eis que seus sofrimentos sofrem uma parada brusca pois seus olhos esbarram em uma menina de, no máximo, dez anos que estava sentada no meio de duas mulheres , no banco diretamente a sua frente. A menina dividia os fones de ouvido com sua provável mãe, ouvindo algo que saia do portátil MP4. A menina tinha belos cabelos encaracolados, a pele era levemente morena, o corpo magro, a boca deformada com uma parte de seus lábios repuxados para cima, lábios enormes e um dos olhos era cego, branco, sem lentes, repuxado para baixo, com as órbitas cheias de sangue. O outro olho olhava, com belas lentes cor de mel. A menina tinha sofrido um acidente ou era erro de fabricação?Provavelmente um acidente, há certo tempo. Deus não poderia ser tão mau assim com uma criança para deixá-la nascer desse jeito. Ela tinha aprendido em casa, com o pai, que Deus era bom. Ele era a própria alegria. Ma como Ele teria permitido que tal acidente catastrófico acontecesse? Neste caso, a culpa foi de quem causou o acidente, provavelmente alguém dirigindo um carro atropelou aquela criança. Mas não, não, o mais interessante e surpreendente, ainda mais interessante e surpreendente que seu livrinho emprestado da biblioteca é o fato da mãe da menina estar ouvindo música! De repente, ela sentiu vontade de avançar sobre a mãe, arrancar-lhe o fone de ouvido e gritar para que no trem todos ouvissem
: Idiota! Imbecil! Sua filha tem o rosto deformado e você ai a ouvir música?! Mas segurou-se. Provavelmente o desespero daquela mãe já tinha passado. Era da época do acidente. Aquela mãe já estivera triste. Certamente chorou incrivelmente ao ver sua filhinha naquele estado pela primeira vez. Pensara que a vida acabou para a filha e certamente beirou o estado que o povo chama de loucura. Depois, veio o conformismo e a mãe percebera que, para ver a filha feliz, era preciso agir naturalmente, ouvir música com ela. Sim, provavelmente era isso que tinha acontecido. E a menina? Tinha noção do estrago que a vida havia lhe imposto? Certamente as outras crianças olhavam para ela de forma diferente. Umas assustadas, outras achando graça, pouquíssimas sentindo pena. Aquela menina não via como as outras pessoas viam. Talvez até tivesse medo de se olhar no espelho. Como seria daqui pra frente?Ela seria sempre a menina deformada, a mulher deformada, a velha deformada e o defunto deformado. Talvez ninguém se interessasse por ela e nunca tivesse filhos. E se os tivesse, teriam inveja das mamães normais dos amiguinhos. Como aquela pobre menina poderia, tão calmamente, ficar ouvindo música?
Porém ainda mais surpreendente, na esquerda, era outra menina, um bebê. Esta visão era mil vezes mais importante que seu livrinho fino, milhares de vezes mais interessante. Um pouco à esquerda da menina deformada, estava um bebê no colo de sua mãe. E a bebê, por incrível que pareça, tinha belíssimos e claríssimos olhos azuis. A mãe cuidava do bebê, ela estava segura no colo. Ela visualizou as duas crianças, cada uma com sua mãe.
Estação Manoel Feio. Era a hora de descer do trem. Subiu as escadas, guardou o livrinho na bolsa cheirando à marmita. Saiu da estação, dirigiu-se ao terminal de ônibus e pensou no pai. Sorriu. O ônibus estava chegando. Parou. Ela entrou nele. Sentou-se no último banco. O ônibus partiu e ela abriu novamente a bolsa cheirando à marmita, tirou uma folha amassada também cheirando à marmita e uma caneta azul e outra vermelha. Iria fazer um desenho para o pai ver. Alternando o uso das canetas, azul misturado com vermelho, ela criava um desenho geométrico da menina e do bebê. Ela tomou cuidado para deixar bem visível o olho vermelho e cego da menina e os olhos do bebê, bem azuis. A menina segurava o bebê no colo. E ambas sorriam, uma com os lábios lindos e a outra com os feios, estavam felizes. Embaixo do desenho, em letras grandes e de forma, alternando a cor a cada letra, o azul e o vermelho, ela escreveu: Livre arbítrio.  

sábado, 23 de julho de 2011

O Homem sem qualidades, de Robert Musil

Esta monumental obra prima do modernismo austríaco pode ser considerada um dos melhores livros já escritos do século XX, ou de todos os tempos. Dentre muitas questões quem vem à baila, vemos de perto o ocaso que a primeira guerra Mundial causou ao mundo desenvolvido. Interessantíssimo, vale a pena ler.




Primeira Parte: http://www.4shared.com/document/1NXXCOO8/Robert_Musil_-_O_HOMEM_SEM_QUA.html?

Segunda Parte:http://www.4shared.com/document/LyAx2ccJ/Robert_Musil_-_O_HOMEM_SEM_QUA.html?

HOBSBAWM, A Era do Capital

Este livro registra os principais fatos econômicos, políticos e sociais da segunda metade do século XIX, época de amadurecimento do capitalismo. Da expansão das estradas de ferro pelo mundo todo à criação de cidades no meio do deserto, como a Califórnia, este livro é essencial para qualquer um que goste de história e humanidades.


Clique aqui para baixar: http://www.4shared.com/document/wWCBtftk/HOBSBAWM_Eric_-_A_Era_do_Capit.html?